segunda-feira, outubro 31, 2005

Porque não vou ao cinema

Nos últimos anos temos vindo a assistir a um gradual decréscimo do público de cinema. Após um período de crescimento desenfreado, com o aparecimento de muitas salas de cinema por esse País fora (principalmente, claro, em Lisboa), o público começou aos poucos a afastar-se das salas de cinema, que vão ficando cada vez mais vazias.

Os dados divulgados pelo ICAM não deixam dúvidas: nos primeiros oito meses deste ano as salas nacionais perderam 1,34 milhões de espectadores, face a igual período de 2004. São 5.515 pessoas por dia!!

Confesso que, de início, fiquei surpreendido com estes números. Mas depois tentei lembrar-me quando tinha sido a última vez que fui ao cinema... sabem a que conclusão cheguei? Não me lembro! Acho que só fui uma ou duas vezes este ano!

Tentei então perceber porque não vou ao cinema. Até é uma coisa de que gosto bastante. Lembro-me bem que nos tempos de estudante ía pelo menos uma vez por semana. Porquê que, ainda que insconscientemente, deixei de fazer uma coisa que gosto?

Será a crise económica, que últimamente serve de desculpa para tudo, principalmente para o tradicional pessimismo dos portugueses? Serão os preços dos bilhetes, que contrariando tudo o que aprendi sobre teoria económica, não param de subir, apesar da procura estar sempre a baixar? Será a qualidade dos filmes que deixa um bocadinho a desejar? Será porque actualmente se dá preferência a jovens modelos bem parecidos (mas com pouco talento e nenhuma formação), deixando actores consagrados e talentosos no desemprego?

Acho que é um pouco por tudo isto. Mas é, principalmente uma questão de comodismo e conforto. Apesar de todos os motivos que apresentei, continuo a gostar de cinema. E, felizmente, tenho dinheiro para ir ao cinema mais do que 1 ou 2 vezes por ano.

Simplesmente, não faço questão de ver um filme na semana da estreia. Não me importo de aguardar meia duzia de meses e fazê-lo sentado no meu sofá, com as pernas esticadas, sentindo o aconchego da minha lareira. Ver um filme, abraçado a uma pessoa especial, acompanhado por uma garrafa de um bom vinho é, incomparávelmente, mais agradável do que fazê-lo numa sala acompanhado por dezenas de pessoas, a comer pipocas e beber coca cola.

Assim concluo que, pelo menos a avaliar pelo meu caso, o grande problema da queda da afluência às sala de cinema é a concorrência do "home cinema". Hoje em dia os filmes são disponibilizados em DVD poucos meses após a sua estreia nos cinemas. E começa a ser generalizado o acesso a bons equipamentos de som e imagem.

E é muito mais confortável ver um filme nas condições de luminosidade e temperatura que preferimos, à hora que mais nos convém, acompanhados de quem desejamos, bem instalados, sem cabeças irrequietas à nossa frente, sem ter que suportar o transito, as filas da bilheteira, o ruido das pipocas....

Agora percebo porque não vou ao cinema! Será que esta reflexão ajuda a compreender os 1,34 milhões?

1 comentário:

Anónimo disse...

A incapacidade de viver a amada prostituta

O cinema exige em termos modernos “uma disponibilidade mínima”.
E se este for português, exige mais.
A maioria dos espectadores quando em frente à bilheteira, ignora que já pagou o seu bilhete, quer assista à película ou não!
No meu caso exige estômago.
Imagine-se um operador de câmera freelancer a negociar um forfait para uma série de ficção (vídeo) subsidiada pelo icam.
O produtor chora pelo orçamento já esgotado, apela ao amor à arte do técnico; Vaselinando-o, gabando e empolando as suas capacidades, esquecendo defeitos e pequenos atritos passados, que virgulam uma vida de audiovisual.
O vigarista vence. Distraidamente apanhado num momento de descontração após a batalha ganha, convida o pateta a conhecer o seu novo BMW topo de gama.

È preciso ter uma alma agasalhada.

Julgo assim explicar que não sou um espectador normal. Como todo e qualquer espectador que preze as artes.
Apesar de ser a sétima não deixa der ser uma arte.
Uma arte adorada por milhões, que a magia da sala faz artistas nos papeis que escolhemos, só para fugir um pouco.

Aqui entra, pela esquerda baixa, o problema levantado pelo amigo Tigre.
O que vem inexoravelmente impedindo os trintões de voltar a sonhar em publico “ no escudinho do cinema chupando dropes de anis”.
Será que terei de deixar crescer a barba e o cabelo desordenadamente, comprar um casaco do exército alemão, por um bornal ao ombro, ler os chaier du cinema, fumar umas ganzas e colocar um piercing num sítio improvável…

Claro que não.

Para voltar a ser jovem basta-me um descapotável e voltar a frequentar as salas de cinema.
Hoje em dia existem tantas, tantas como as minhas desculpas e tão tristes como o meu percurso.
Spartacus no Monumental (foi a baixo), homem aranha cinema Alvalade (igreja maná) fuga para a vitória no cinema Alfa (apartamentos) os sete samurais no Vox (king triplex) as férias do senhor Hullot (arco-íris), herbie uma carocha dos diabos caleidoscópio (livraria) james bond no 7ªarte (direcção geral de viação), era uma vez na América no Berna (ex-tvi), os deuses devem estar loucos (estúdio) tron no império (outra mesma igreja) e tantas ex-salas como fórum Roma, hard rock café, o aparthotel éden teatro, mais uma punhada de cine-estudios de números variados.
Nestes sítios quase só vendiam o filme, talvez o livro inspirador, pouco mais. Até as cafetarias eram ingenuamente estéreis.
A seguir ao filme ia-se descomprimir e reviver a história para outro local.
Estranhamente na minha adolescência, tinha um comportamento no cinema como na minha infância tinha na Igreja.
Ainda hoje tenho dificuldade em parar um DVD, mesmo só para ir à casa de banho.
Fico danado quando alguém carrega no pause, por dá cá aquela palha.
È fácil perceber que me tornei um proscrito, mesmo na minha própria casa. Normalmente as pessoas são menos exigentes consigo mesmo.
Mas mesmo assim não fujo para o cinema.
Porquê?
Os super-hiper-mercados usam cinicamente o cinema como uma minhoca maquiada presa ao anzol.
Da garagem à sala espera-me toda uma quinquilharia inútil a preços módicos, o ar é doce e as pessoas amargas.
Pior a geração mais nova é barulhenta e ruminante.
Mais.
Conheço as regras da narrativa, os truques da técnica, estou a par da tecnologia e as interpretações na sua maioria fazem sentir que tenho uma hipótese como actor.
E eu sou péssimo.